// De onde vêm os desastres – Divagações sobre retoque

Novamente, os “excessos do Photoshop” estão em pauta em tudo quanto é revista especializada. E, mais uma vez, somos obrigados a ver pessoas rejuvenescidas, deformadas, plastificadas, enfim – distorcidas de todas as formas possíveis e imagináveis. Blogs como o Photoshop Disasters pipocam por aí, e o retoque de imagens vira motivo de chacota entre os fotógrafos, que ficam em cima do muro.

Conceitualmente, eles optam por ser contra todo e qualquer tipo de retoque, prezando “a verdadeira fotografia” – mas dão o braço a torcer para o mercado, que segundo eles é irredutível na demanda por essas imagens toscas. Em seu “trabalho autoral” não há “absolutamente nada de Photoshop”, orgulham-se.

Bom para eles, péssimo para as imagens em si – apesar das desculpas, pouco vemos dos “trabalhos autorais”, e muito vemos das “imagens comerciais”. Mas a ideologia está salva, e a culpa é do mercado ignorante, certo?

Errado. Porque isso só limpa consciências, não nos livra dessa onipresente tosquice.

Pessoalmente, acredito que o problema está muito mais embaixo. O debate sobre “excessos do retoque” está aí desde o século retrasado – em 1890 saía o livro Fotografia Naturalística para Estudantes da Arte, de Peter Henry Emerson; nele condenava-se enfaticamente os retoques nos negativos e ampliações, na tentativa de simular as lisonjas costumeiras na pintura. Ou seja, daria para se pensar sobre a atualidade do assunto, que à primeira vista, seria o último grito da moda: a onda digital e a novíssima possibilidade de se interferir nas imagens teria levado à difusão de uma estética no mínimo contestável.

Só à primeira vista, porque retoque sempre existiu, e em generosas doses. São outros os problemas que surgiram, e não têm absolutamente nada a ver com a ferramenta, a fotografia digital ou nenhum dos culpados normalmente acusados. Têm a ver com um extraordinário surto generalizado do que chamamos “falta de noção”, e com a criação de mitos que não ajudam em nada. Separei aqui os três problemas mais relevantes, e que têm mantido muitos fotógrafos presos em uma estranha dupla personalidade.

O primeiro problema é que a imensa maioria das pessoas acredita em um retoque fácil demais. Plugins, receitas práticas, dicas e truques de qualidade contestável para realizar com pretensa facilidade e rapidez uma tarefa que é por natureza trabalhosa. Menos é mais – uma expressão utilizável apenas para definir a aparência final, não o processo.  Retocar uma imagem e não deixar este retoque aparente é um processo muito, mas muito mais trabalhoso do que fazê-lo de forma automatizada, em série, “enfatizando a produtividade”, com resultados inevitavelmente pesados. Pode levar horas, apenas para uma foto, o que é a princípio inaceitável com os prazos apertados nos dias de hoje.

E infelizmente, não há atalhos, nem no retoque, nem na fotografia.

O segundo foi construído em cima do primeiro: fotógrafos com conhecimento muito limitado de retoque passaram a retocar suas próprias imagens, em busca de maior agilidade ou redução de custos. E, embora alguém possa perfeitamente acumular os cargos de fotógrafo e retocador, são dois ofícios completamente diferentes, apesar de relacionados. Uma parte enorme e vital da bagagem do fotógrafo é irrelevante para o retocador, e vice-versa. E embora seja poucos os retocadores que acreditem ser capazes de clicar um editorial de moda para uma revista de ponta, o contrário não é verdadeiro. Praticamente todo fotógrafo acredita ser um retocador de alto nível, ou pelo menos acredita estar a algumas poucas horas/aula de sê-lo.

Talvez por isso tantos fotógrafos sejam contra o retoque, visto que não é zona de conforto. E suas fotos saem naturalmente melhores quando o retoque é descartado. Mas o mercado pede retoque – e lá voltamos para a bipolaridade.

E o último é novidade: ainda não nos caiu a ficha sobre a abundância de referências sobre as pessoas – em tempos anteriores, um retrato poderia ser a única referência sobre uma figura pública que poderíamos ter contato, por toda a nossa vida. Nunca veríamos essa pessoa frente a frente, muito menos outras imagens dela. O que liberava um eventual retratista para interferir, ou construir a imagem que quisesse, pelo menos enquanto não aparecesse outra referência.

E apareceram rápido: ainda no século XV, o chanceler Nicolas Rolin foi retratado por dois grandes pintores no espaço de poucos anos: Jan Van Eyck e Rogier van der Weyden. Cada um deles fez um Rolin diferente. Qual é o verdadeiro Rolin? Qual dos pintores foi mais benevolente, e qual foi mais realista? Nunca saberemos.

Hoje os olhos do mundo se multiplicaram. Qualquer pessoa minimamente conhecida possui centenas de retratos, feitos nas mais variadas condições, aparece na TV, é filmada em Full HD. Hoje simplesmente não é possível ser lisonjeiro demais em um retoque, não é possível “melhorar” demais ninguém que seja, porque aí está a TV, os avatares das redes sociais, os videologs. Todos eles mostrando uma realidade diferente.

Você será pego no pulo, e sua obra será jogada no Photoshop Disasters, junto com a sua representação da Susana Vieira ou da Julia Roberts. Todo mundo sabe como elas são, pela média visual de suas imagens publicadas.

Há cura ou solução para estas situações? Claro. Mas não está nos excessos, está nas faltas.

Na falta dessa avaliação da lisonja estética necessária à maioria dos trabalhos fotográficos – qual é o “reparo” realmente necessário e como ele será avaliado frente a outras imagens da mesma pessoa – além da falta de senso crítico ao não reconhecer que mesmo reparos simples exigem conhecimento específico de processos que não fazem parte da formação convencional de fotógrafo – e que assim como a fotografia e ilustração, exigem tempo, prática e amadurecimento, largamente subestimados.

Supridas essas carências, seu trabalho será de qualidade – não importando se há retoques ou não, não importando quem retoca, não importando o processo de criação da imagem. Seu trabalho será um bom trabalho, eficiente, comercializável e “autoral”, como todo trabalho deveria ser, sem dupla personalidade, sem bipolaridade.

Saiba mais sobre o trabalho de Alex Villegas. Acesse o link: http://alexvillegas.wordpress.com/

 

 

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