// Para entrar no mundo do outro – Conversa com um fotorrepórter

Christian Piana, professor do curso de Fotorreportagem que acontecerá nos dias 24, 25 e 26 de agosto, conversou com a nossa também professora Lila Souza sobre algumas questões que envolvem a profissão. Veja como foi:

Para escrever essa matéria pedi ao Christian que selecionasse algumas fotografias. Dentre elas deveria haver uma que ele gostasse muito, outra que tivesse sido muito difícil de fazer, seja pela situação abordada, seja pela dificuldade técnica, seja pelos eventos secundários que envolveram a produção. Fiz isso porque acho que a conversa sempre toma um rumo mais interessante quando falamos de “uma fotografia” ou de um grupo de fotografias do que quando falamos “da fotografia” de fotorreportagem como um fenômeno geral. Me surpreendi ao descobrir que essas duas coisas – o que mais gostou e o que foi mais difícil – podem conviver em uma mesma fotografia.

Christian me apresentou, então, um trabalho lindo, que contém, além do que representa e nos apresenta, a relação que ele estabeleceu com aquelas pessoas, aquele lugar e como ele pensa o papel da fotografia de fotorreportagem.

Christian Piana: A foto que eu trouxe faz parte de um trabalho que me lembra sempre um momento muito impressionante. Foi feito em 2003, em Sarajevo, e somente agora será publicado pela primeira vez, lá na Itália.

Lila Souza: De onde Saiu a ideia de fotografar Sarajevo?

CP: Eu era jovem, já havia alcançado certo sucesso comercial com as minhas fotos e decidi investir em um trabalho mais pessoal, que tivesse mais a ver comigo. Escolhi Bósnia e Kosovo por fazerem parte de uma região que viveu em conflito por muito tempo. Fui apoiado por uma Associação Humanitária e esse foi um projeto que me marcou profundamente. Fiquei muito sozinho por muito tempo e fazia longas caminhadas pela cidade, sempre acompanhado pela máquina. A cidade era muito bonita, estava destruída, mas dava pra ver que era bonita. Uma das coisas que lembro claramente eram as marcas dos morteiros, que ficaram sendo as imagens signo da guerra.

LS: E quanto tempo você ficou lá? Quantas fotografias produziu?

CP: Fiquei dois meses e meio e produzi em torno de 15-20 filmes de 36 poses.

LS: Me conta um pouco sobre a foto que você trouxe pra mostrar pra gente.

CP: Foi em uma cidade sérvia chamada Srebrenica. Ela havia sido completamente destruída. Em 95 houve um massacre por lá: A cidade estava para ser invadida, as mulheres e as crianças foram levadas para outros lugares e os homens ficaram pra tentar defender o território. Mais de 8 mil pessoas morreram e isso ficou conhecido como o maior assassinato em massa desde a segunda Guerra Mundial. A cidade virou um território fantasma – ninguém mais vivia lá, as mulheres nunca voltaram, mas nessa ocasião, estavam inaugurando o primeiro cemitério local para enterrar os 107 primeiros corpos reconhecidos por teste de DNA.
Na época do massacre, todos foram depositados em valas comuns e havia um grande esforço para que os corpos fossem identificados e as famílias pudessem, enfim, orar por eles. Quase 10 anos se passaram pra que isso pudesse acontecer. Eram milhares de pessoas e um clima de muita tristeza, desespero mesmo.

LS: E por que você escolheu essa foto? O que tem nela que te chama tanto a atenção?

CP: Essa quantidade de pessoas, maioria mulheres procurando em uma infinidade de túmulos o número que corresponde ao do seu ente querido. E esse homem, que de tão atento que está a essa procura, segura o cigarro desse jeito esquisito. O sofrimento está aí misturado com um alívio de enfim colocar um ponto final na história, ter onde rezar pro morto. E gosto muito dessas sombras também – projetadas nas tampas das tumbas no barranco – elas me lembram fantasmas e esse dia me pareceu bem isso, um enfrentamento dessas pessoas com seus fantasmas.

LS: E como você entende o seu papel em um evento desses?

CP: Nessa questão da fotografia documental eu sou bastante inspirado pelos princípios que estudei: Conhecer o evento, o contexto, o tempo em que se está imerso e reportá-los para quem não está lá. Essa fotografia, representa muito bem o que Susan Sontag disse: A fotografia é um traço de algo que passou em frente à câmera. A gente precisa conhecer, se relacionar, mergulhar, sentir o sabor – ainda que amargo – do que documentamos. Enfim, foi um período muito intenso, triste e difícil, mas também foi feliz porque me enviou pra descoberta da forma como eu entendo a fotografia, e da forma como eu me relaciono com ela.

Como Disse Antoine D’Agata: Não é como o fotógrafo vê o mundo que importa, mas a relação íntima que estabelece com ele.

Quer saber mais sobre o trabalho de Christian Piana? Acesse o site com o portfólio dele clicando aqui.

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