// Fotografia de e para Pitoquinhos

Junho, pra nós aqui do IIF, será o mês das crianças.  Logo no início do mês a Dani Hamilton desembarca aqui para mais uma maratona de cursos de fotografia de recém nascidos no Brasil. Quando tudo acabar, terão passado por aqui cerca de 80 bebês com suas famílias, 120 alunos em mais de 20 turmas desse workshop que já entrou pra nossa história.

Quando a Laís, nossa assessora, me sugeriu esse tema pra matéria de conteúdo, passei uns dias digerindo a ideia e tentando entender a pertinência do assunto. Foi quando me atentei pra um fato curioso:

As fotografias mais antigas da minha família pertencem à minha avó e, na mais velhinha de todas elas, é ela quem aparece, já menininha, com seus quase dez anos de idade. Meus pais têm algumas a mais: somando as fotografias de bebês deles, devemos ter em casa cerca de 20 registros da infância, contando aqueles quadros em PB coloridos posteriormente com todos os irmãozinhos, um do lado do outro, dignos da casa de toda avó da minha geração. Eu e meu irmão graças aos minilabs, temos vários e vários álbuns de quando eu era a pequena Lila e ele o pequeno Tato: correndo pelo quintal, brincando com os primos, tomando banho de tanque e comemorando aniversários. Graças aos minilabs também, a maioria desses registros está desbotada, amarelada, desgastada (e olha que eu nasci em 1982, nem sou tão velha assim!).

Já esses bebês que vêm aqui no IIF, são recém nascidos. Com menos de 10 dias de vida esbanjarão sua graça, (falta de) dentes, sorrisinhos, pezinhos e mãozinhas fofinhos para as lentes da Dani e de mais 6 alunos a cada turma. Por sessão, serão produzidos muitos gigas de raws e jpegs que se transformarão em algumas das lembranças mais caras dessas famílias.

A fotografia é de 1826 e a primeira publicação desse tipo de imagem nos jornais data de 1880. Isso quer dizer que, muito provavelmente, meu bisavô viu essa imagem e ficou pasmo diante de tal maravilha.  Em um espaço muito curto de tempo (são menos de 200 anos), o salto na produção, distribuição e até dependência das imagens (nossa memória se apóia nelas) foi bastante grande e a (s) questão (ões) que me intriga (m) é (são): Será que meu bisavô teve essa sensação que eu tenho, de conhecer o Japão sem nunca ter estado lá? Há quantos lugares ele foi apresentado pelas imagens fotográficas e nunca experimentou fisicamente? E, pensando nos pequenininhos de agora, como é que será a relação desses pitoquinhos com a fotografia e com o mundo? Eles, que já nascem com a câmera apontada e que têm toda sua história documentada/contada por elas.

Uma coisa é certa: além de ser um excelente suporte para a memória – dentre outras coisas fotografamos aquilo que não queremos esquecer – a fotografia também é uma ferramenta que nos mostra maneiras diferentes de ver o mundo. Quem nunca se surpreendeu, diante de uma fotografia que mostra algo de um jeito que não está acostumado a ver?

Foi partindo dessa premissa que a cineasta Zana Brischi desenvolveu seu documentário “Nascidos em Bordéis”, vencedor do Oscar de melhor documentário em 2005. A ideia era simples: em um bairro da periferia de Calcutá, na Índia, ela distribuiu câmeras compactas e ensinou pequenos (literalmente nascidos em bordéis) a fotografarem para entender como aquelas crianças enxergavam o mundo. O filme é incrível, merecedor de um post só pra ele (que eu prometo tentar escrever em breve), mas é citado por aqui porque me inspirou a fazer um trabalho com os pequenos da minha vida, que acabou rendendo essa pequena notinha http://www.iif.com.br/downloads/crescer_208.jpg.jpg na revista crescer do mês de março.

Depois de ver esse documentário, fiquei fascinada com a possibilidade de saber como as crianças se relacionam com as coisas, comprei uma câmera fotográfica daquelas de plástico, do tamanho de um chaveiro pela internet e dei de presente pra minha irmãzinha Juju, na época com 3 aninhos. Como fotografia, não saiu nada perto do que eu esperava: nessa etapa da pesquisa, pela péssima qualidade das imagens que a máquina produzia, pude apenas constatar que crianças olham muito pro chão e pro teto. As imagens abaixo mostram o piso da varanda da casa dos meus pais, em Londrina e um retrato da nossa cachorrinha, a Lola:

Importante dizer que, a essa altura, a Juju nem sabia que a máquina fotografava de verdade, ela pensava que fosse mesmo um chaveiro. A pequena andava pela casa olhando pelo visor e falando “click” quando achava alguma coisa interessante. Como ela gostou da brincadeira (e eu também!), investi mais alguns reais e comprei uma maquininha um pouco melhor, ainda de plástico, mas toda rosa e da Barbie. Ainda tinha muito medo de deixar nas mãozinhas dela uma máquina fotográfica “de verdade”.

Pra ser sincera, me arrependi bastante dessa decisão: ela fez retratos incríveis nessa fase, que (de novo) como imagens, pouco oferecem pela péssima qualidade dos arquivos. As fotografias abaixo mostram uma sessão na qual ela e meu sobrinho um ano mais novo, o Felipe, saíram pela casa fotografando aquilo que mais chamava a atenção dos dois.

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Pedir a uma criança que saia pela casa fotografando aquilo que mais lhe chama a atenção é uma experiência bastante rica. Pra ela, que se vê incentivada a pensar naquilo que mais a agrada visualmente, criando consciência de seu “estar no mundo”, mas principalmente para nós, que somos expostos a essa maneira de ver as coisas.

As escolhas de assunto, os enquadramentos, os recortes são muito “sinceros” e nos dizem muito sobre essas pessoinhas que tanto amamos: a tendência a olhar pra cima/baixo – porque pensando bem, não há nada de interessante na altura do olhar deles – , a tendência a descentralizar o assunto, os grafismos, formas, texturas e sombras. Me lembro dos meus pais impressionados por nunca terem prestado atenção na sombra que o varal projetava na parede, nem nos detalhes desse canto da casa, tão insistentemente mostrado por ela: o ar condicionado, o varal, a janela, o canto do beiral formam um emaranhado de coisas que chamaram a atenção da pequena e que depois de fotografado por ela, também passaram a chamar a deles.

O Trabalho evoluiu e no natal de 2006 ela fotografou o caminho de casa até a vovó com a minha antiga Nikon D100. Mal agüentando o peso, andamos as 5 casas de distância.

Essa era a carinha que ela tinha na época:

Esse era o jeitinho que ela tinha de olhar o mundo:

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Esporadicamente ainda fazemos estas experiências e estamos prestes a concretizar a maior de todas elas. Nosso irmão vai se casar no dia 11 de junho e a Juju será uma das “fotógrafas”. Estou ansiosa por saber como ou o que é que uma criança, agora com 7 (quase 8 ) aninhos, vê ou entende um acontecimento tão importante e carregado de emoções. Depois complemento esse post e compartilho com vocês.

Por enquanto, deixo dicas para quem quer se aventurar com seus pitoquinhos-fotógrafos:

– Ensine-os a terem cuidado com a máquina.  Explique que não é exatamente um brinquedo. A partir dos 3 anos eles são espertos o suficiente pra entenderem e levarem a sério essas pequenas responsabilidades. Juju nunca quebrou uma câmera.

– inicialmente deixe que a criança fotografe aquilo que mais chama a atenção dela. Com liberdade para escolherem seus temas elas vão naturalmente nos mostrando aquilo que mais gostam (ou não) e como enxergam essas coisas. Quando forem ver as fotos, pergunte por que elas escolheram aquilo para fotografar.

– Depois sugira alguns temas: primeiro os mais concretos como os calçados da casa, os brinquedos, as roupas e as pessoas. Depois trabalhe ideias mais abstratas como a bagunça, os cheiros e as coisas gostosas/ruins.

– Diga a eles que desliguem a máquina quando ainda não encontraram o que fotografar. Se, eventualmente ela cair, desligada as chances de estrago são menores.

– Valem também experiências visuais/sensoriais diferentes pelo espaço, mesmo sem a câmera: andar pela casa de olhos fechados – ainda que no colo – e tentar adivinhar em que espaço estão – você pode dar dicas e estimulá-lo a adivinhar pelo cheiro e texturas das paredes, ajudá-lo a plantar bananeira e pedir que ele preste atenção em como as coisas ficam diferentes vistas desse ponto, brincar de andarem como o bichinho da casa e ver como ele enxerga as coisas (essa era a preferida da Juju). Nessa idade, estímulos são sempre bem-vindos (palavra de quem tem mãe e 5 tias pedagogas/professoras do ensino fundamental).

– Promova pequenas transformações na decoração/espaço da casa com as informações que você for descobrindo no processo. Em casa, por exemplo, mostrei livros de artistas pra Juju e pedi que ela escolhesse seus favoritos. Ela se identificou com o Kandinsky, disse que ele sabia pintar tudo com borrões, e com Degas porque era o pintor das “bailalindas”. Fotografamos juntas algumas das obras, eu ampliei e penduramos na parede, na altura do olhar dela.  Logo ela começou a cortar as páginas dos livros e pendurar também (efeito colateral relativamente caro!), colar adesivos no guarda-roupas e seus próprios desenhos nas paredes. A constatação de que o projeto vale a pena (e também o auge da minha realização)  foi quando cheguei em casa e havia, pregado ao lado da cama, um sulfite escrito: “artis é tudo aquilo que me empreciona”.  Minha pequena aprendendo a pensar e tirando suas próprias conclusões, não tem preço!

É isso. Depois compartilhem a experiência aqui conosco! Mandem as imagens para [email protected] que publicaremos no facebook e em uma galeria aqui do site. Quem sabe não vira uma exposição? Quem vamos?

Lila Souza
Lila Souza é arquiteta, urbanista, especialista em fotografia pela Universidade Estadual de Londrina, Mestre em Multimeios pelo departamento de cinema no Instituto de Artes da UNICAMP e dá aulas de teoria da fotografia, técnica fotográfica e composição no Instituto Internacional de Fotografia. Pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq –  para o grupo de Comunicação e História, atrelado à linha de pesquisa Mídia e Memória.

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